quinta-feira, dezembro 8

A Colcha de Retalhos


"Nos finais de semana, Felipe vai para a casa da vovó. É uma delícia! Vovó sabe fazer bolo de chocolate, brigadeiro, bala de coco, pão de queijo... Enfim, sabe fazer tudo o que Felipe gosta. E lá não tem esse negócio de "hora de comer isso, hora de comer aquilo... hora de brincar, hora de dormir..."

   Vovó saber contar histórias como ninguém.
   - Conta mais uma, vovó. Só mais uma!
   Vovó coloca os óculos bem na ponta do nariz, faz uma cara engraçada e fala bem fininho e fraquinho, imitando a voz da Chapeuzinho Vermelho, e bem grosso e forte, imitando a voz do lobo mau. Ah! Quem é que não gosta de uma vovozinha assim?

  Um dia, quando Felipe chegou à casa da vovó, encontrou uma porção de pedaços de tecidos espalhados pelo chão, perto da máquina de costura onde ela estava trabalhando.
   - O que é isso, vovó?
   - São retalhos, Felipe. Fui juntando os pedaços de pano que sobravam das minhas costuras e, agora, já dá para fazer uma colcha de retalhos. Vou começar a emendá-los hoje mesmo.
   - Posso ajudar, vovó?
   - Está bem. Então vá separando os retalhos para mim. Primeiro só os de bolinhas, depois os de listrinhas...

   Felipe esparramou tudo pelo chão e foi separando-os um a um. Tinha pano de florzinha, de lua e estrela, de bolinha grande e bolinha pequena, listrado, xadrez...
   - Olha esse pano listrado, é daquele pijama que você fez para mim quando a gente passou aqueles dias no sítio, lembra?
   - É mesmo, Felipe, estou me lembrando. Que férias gostosas! Andamos a cavalo, chupamos jabuticaba...  As jabuticabeiras estavam carregadinhas!
    - E olha esse pano xadrez, que bonito vovó!
   - É daquela camisa que eu fiz para você dar ao seu pai, no dia do aniversário dele. Sua mãe fez um jantar gostoso e convidou todo mundo.
   - Ah! Eu me lembro! Veio o tio Paulo, o tio João, a tia Josefina, veio a Cecília e até o Rex, para brincar com o meu cachorro, Apolo. Parece que um deles fez xixi na cozinha e o outro fez cocô no quintal, né?
   - Seu pai ficou tão bonito! E assoprou as velinhas, todo vaidoso, de camisa nova. 
   - É mesmo! Mas ficou muito bravo com os cachorros.
   - Olha Felipe, esse retalho aqui. Não é daquele vestido que eu fiz para a sua mãe ir a uma festa de casamento? Sabe, quando a sua mãe era pequena eu fazia uma porção de vestidos para ela. E gostava também de bordá-los. Uma vez eu fiz um vestido cor-de-rosa, inteirinho bordado com branca de neve e os sete anões. Quando o vestido ficou pronto, ela falou assim:
   - Ué, mamãe, está faltando a bruxa!
   - Vovó, esse pano azul-marinho está com cara de Vó Maria. 
   - Era dela mesmo!
   - Vovó Maria mora lá no céu, né? Junto com o vovô Luiz e meu cachorrinho Apolo... Ué, vovó, você está chorando? O que aconteceu?
   - Não, - disse a vovó fungando e limpando o nariz com o lenço - não estou chorando, não.
   - Ah, vovó! Você não disse que nós somos amigos? Então, me conta o que está acontecendo. Você está triste?
   - É a saudade, Felipe. É a saudade...
   - Saudade dói, vovó?
   - Às vezes dói. Quando é saudade de alguém que já foi embora para nunca mais voltar...
   - Ah!
  - Mas existem outras saudades: de um passeio gostoso, de uma viagem, de uma festa, de um amigo, de uma amiga, de um parente que mora longe...
   - Vovó, acho que que ainda não entendo nada de saudade.
  - Eu sei. A gente só entende bem das coisas que já experimentou. Talvez ainda seja muito cedo para você entender dessas coisas... Felipe, me ajuda aqui.Vamos ver como é que está ficando a nossa colcha de retalhos!
   - Que bonita, vovó! Um dia você faz uma para mim também?

   Depois  de algum tempo, Felipe nem se lembrava  mais da colcha de retalhos. Um dia, ao voltar da escola...

   - Felipe! A vovó mandou uma surpresa para você!
   - Uma surpresa para mim? Onde?
   - Está lá em cima da sua cama.
   Felipe entrou no quarto correndo. A colcha estava esticada sobre a sua cama. Que linda! Mas não era uma colcha como essas que vendem nas lojas. Cada retalho tinha uma história.
   Ali, deitado sobre a colcha, Felipe passou algum tempo lembrando-se de uma porção de histórias. Observou um retalho de brim azul...
   - Foi quando o papai e a mamãe viajaram de férias e eu fiquei lá na casa da vovó. Um dia, fui subir na jabuticabeira e levei o maior tombo. Ralei o joelho, fiquei com o bumbum dolorido e o short  rasgado... que vergonha! Vovó veio correndo lá de dentro. Me pegou no colo com carinho e, depois, nesse mesmo dia, resolveu fazer um short novo para mim. E fez um short deste pano aqui, de brim azul.
   De repente, Felipe começou a sentir uma coisa estranha dentro do peito. E aquilo foi aumentando, aumentando... Felipe foi atrás de sua mãe:
   - Me leva na casa da vovó?
   Não demorou nada e os dois já estavam chegando lá na casa da vovó. Tocaram a campainha e ela veio lá de dentro.
   - Parece que eu já estava adivinhando que você vinha. Fiz um bolo de chocolate, do jeito que você gosta!
   - Vovó, vem aqui pertinho. Agora, me dá um abraço bem gostoso!
   - Aconteceu alguma coisa, Felipe?

   - Sabe, vovó... - cochichou Felipe, bem baixinho, no seu ouvido - preciso te contar um segredo: eu acho que já entendi... agora eu já sei o que saudade!"


Esta história enfatiza o resgate do valor das memórias que fazem parte da identidade de cada um. Linda e profunda. E eu fico sempre pensando na minha colcha de retalhos. De como estes retalhos fazem o que sou...

A querida amiga blogueira Lidiane Vasconcelos, do Bicha Fêmea, tem uma frase no seu perfil na rede social que gosto muito. É assim:

"Eu sou o resultado da educação que recebi em família 
e as escolhas que fiz na vida."

Agora eu te pergunto, tem retalho melhor do que este para comprar a colcha de cada um de nós? E aí, como anda a sua colcha de retalhos? 

Até a próxima!
Elaine Cunha

4 comentários:

  1. Que história belíssima!!!
    Viajei no tempo e compus a minha colcha, relembrando toda a infância e culminando com a SAUDADE batendo no meu peito.
    Amei relembrar os "velhos tempos", principalmente de ......, que adorava um retalho.
    Beijos saudosos.

    ResponderExcluir
  2. Eita, Laine!
    Obrigada por deixar que eu fizesse parte do seu post de alguma forma. Eu fiquei muito feliz...

    Sabe que esse post fez com que eu lembrasse da minha vó? Ela também gostava de costurar colchas de retalhos... :)

    Post sensível e belíssimo, faz a gente passear por tudo quanto é retalhos da vida. :)

    Beijos,
    Lidi

    ResponderExcluir
  3. Elaine, obrigada por compartilhar tão linda história.
    abraços energizantes da Mabel

    ResponderExcluir
  4. Amada Elaine! Obrigada por mais esta linda contribuição. Amo tudo o que aqui é postado, sua amizade e o laço fraterno que existe entre nossos corações. Saúde e prosperidade a todos!!!

    ResponderExcluir

A conversa sempre continua aqui nos comentários! Comenta aí! E vamos "trocar figurinhas"

Abraços!
Elaine Cunha