segunda-feira, julho 4

O Casamento do Mané Bocó

Ah, na última aula do curso lá na biblioteca, ganhei da querida Roseli um livro m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o!

"Histórias de bobos, bocós, burraldos e paspalhões" do Ricardo Azevedo, pela editora Ática é pura diversão. São seis narrativas onde os heróis são bem diferentes do que costumamos encontrar nas histórias. Eles são totalmente fora dos padrões. São heróis cheios de atrapalhadas, falam muita bobeira. quase sempre sem pé nem cabeça.

Eu me deliciei com as histórias. Li o livro ainda no metrô voltando para casa. E me peguei rindo sozinha! Compartilho uma das narrativas.


"O Casamento do Mané Bocó"

   Era uma vez uma viúva. Seu filho, conhecido como Mané Bocó, tinha um bom coração, mas vivia fazendo besteira e aprontando as piores atrapalhadas. Preocupada, a pobre mulher não sabia mais o que fazer.
   Um dia, mandou o filho vender verdura na cidade.
- O preço da cesta é dez reais - explicou a mulher. - Mas, filho, tome cuidado pra não ser enganado. A cidade está assim de espertalhões. Não vá fazer negócio com gente que fala muito!
    Mané Bocó prestou atenção nos conselhos da mãe, pegou a cesta de verdura e partiu. Ficou circulando pelo mercado, olhando e escutando as pessoas, sem a coragem de oferecer a verdura. Por ali, todo mundo falava demais. Quando passou na frente da igreja, viu a imagem de um santo parado no altar. Mané Bocó pensou que o santo fosse o dono da casa. Olhou mais. Notou que a estátua falava pouco e tinha uma cara de ser pessoa honesta. No fim, o filho da viúva tomou coragem e se aproximou.


    - Quer comprar verdura?
    O santo, de madeira, não respondeu nada. Mané Bocó perguntou de novo. Apesar do silêncio, achou que a imagem estava interessada nas verduras. 
    "Quem não diz não, diz sim", pensou Mané.
    Colocando a cesta na frente do santo, avisou que a verdura custava dez reais. A imagem ficou na mesma.
    - São só dez reais! - gritou Mané Bocó.
    Como a estátua continuou muda, o rapaz largou a cesta de verdura ali mesmo e foi embora. Avisou que voltava no dia seguinte. 
   Ao ver o filho chegar em casa sem a cesta, a viúva quis saber onde estava o dinheiro. 
   Mané Bocó explicou que receberia o pagamento no dia seguinte, sem falta. 
   A mulher ficou danada da vida. 
   Eu não disse? Já sei que levaram você no bico. Já sei que você foi enganado mais uma vez. Onde já se viu deixar a mercadoria e voltar sem o dinheiro!
   Mas Mané Bocó garantiu que o homem não era do tipo enrolão. Contou que o tal falava pouco, tinha cara de ser pessoa séria e ainda por cima era rico. 
   - Precisa ver a cada dela, mãe! Mora no centro da cidade, num castelo enorme com baita jardim em volta! A sala de visitas tem cadeira para mais de duzentos convidados. As paredes são pintadas de dourado. E as pinturas, mãe? E as colunas? Até a torre com relógio e sino a casa do homem tem!
    No dia seguinte, Mané Bocó acordou cedo e voltou à cidade  para cobrar a dívida. Encontrou o santo no mesmo lugar. A cesta de verdura, porém, havia desaparecido. 
   Mané Bocó sorriu:
   - Já vi tudo! Pelo jeito seu jantar ontem foi sopa de verdura!
   O santo nem piscou.
   - Vim pegar o dinheiro, moço. 
   A estátua não mexeu um músculo. 
  - Vim pegar meus dez reais, seu moço! - disse o bocó. E um pouco mais alto:   - O dinheiro é pra minha mãe!
  Como o santo não dissesse nem sim nem não, Mané Bocó achou que ele era surdo, colocou as duas mãos na boca e berrou na orelha da imagem:
   - Cadê meus dez reais?
   Diante da indiferença do outro, o filho da viúva acabou perdendo a paciência.
   Vai ficar aí parado com essa cara de peixe morto?
  Agarrou o santo pela garganta:
  - Passa o dinheiro logo, mocorongo lazarento!
  No fim, partiu para a ignorância.
   - Vai pagar nem que seja no tapa!
  Ouvindo aquele berreiro, o sacristão saiu da sacristia e deu com Mané Bocó engalfinhado com a estátua, os dois lutando e rolando no cão da igreja. No meio da pancadaria, um cofrinho cheio de esmolas caiu, espalhando as moedas no chão. 
  - Escondendo dinheiro debaixo da saia, safado sem-vergonha?
  E acertou um soco no olho do santo. O sacristão pulou no meio da briga. 
  Foi um tal  de empurra de cá, dá murro dali, dá chute de lá e dá pancada daqui. Num golpe de mestre, Mané largou o santo no chão, acertou uma cabeçada no sacristão, catou o dinheiro das esmolinhas e saiu correndo. 
   Chegou em casa nervoso e foi contando tudo à mãe. 
   Disse que dono do castelo, um homem rico, baixinho e musculoso, duro feito um pau, tinha comido sopa de verdura no jantar, mas não quis saber de pagar a conta da jeito nenhum. Contou que exigiu o pagamento, mas que o homem nem ligou; só ficou quieto, fingindo que estava pensando em outro assunto . O filho da viúva explicou que acabou perdendo a cabeça, que agarrou o homem pelo pescoço e que, então, o sujeito chamou um guarda. 
  Eram dois contra um, mãe, mas eu lutei pra valer! - gritou Mané Bocó estufando o peito. - Precisava ver! Bati, cuspi, espremi, torci, quando ele deixou o dinheiro cair de debaixo da roupa e eu fugi!
  A viúva ficou admirada e confusa diante daquela história.
  Tempos depois, mandou o filho cortar um pouco de lenha. O rapaz foi mas, no caminho, cismou de pensar na vida e ficou distraído. Passou o resto do dia de papo para o ar, deitado debaixo de uma árvare.
  Ali perto, corria um riacho. Brincando de saltar o ar, um peixe tantas fez que acabou caindo fora da água. 
   Mané Bocó correu e pegou o bicho. Sua ideia era levá-lo de presente para a mãe comer no jantar. 
   Acontece que o tal peixe sabia falar: 
   - Por favor, Mané, não faça isso! Veja minha situação: sou casado e pai de família. Tenho sete filhos pra cuidar. Me deixa voltar pra casa! 
   Mané Bocó pensou na peixa, mulher do peixe, nadando desesperada, gritando o nome do marido. Imaginou os setes peixinhos vestido de luto, chorando de saudade do pai. Com lágrimas nos olhos, pegou o bicho, beijou e jogou de volta no rio.
   O que o Mané Bocó não sabia é que aquele peixinho era mágico. 
   Assim que o mergulhou na água, fez uma reviravolta, botou a cabeça pra fora e disse: 
   - Muito obrigado, amigo! Quando precisar de mim é só gritar "Peixinho, peixão, vem aqui dar uma mão!". Depois, faça o pedido que quiser. Pode ser qualquer coisa!
   Disse isso, despediu-se e desapareceu no azul da correnteza.
   Ao perceber que a noite estava caindo, Mané Bocó deu um tapa na testa. Lembrou-se da lenha para cortar. Imaginou a mãe furiosa sem ter o que acender o fogão. Pensando nas palavras do peixinho, resolveu experimentar:
   - Peixotinho, peixotão, vem aqui dar um mamão! - gritou ele. E completou: - Corte um pouco de lenha para mim!
   Infelizmente, não deu certo.
   Mané Bocó desconfiou que devia ter dito alguma palavra errada. Tentou de novo. 
   - Peixinho, peixão, vem aqui me dar um mamão! - gritou ele. E completou: - Corte um pouco de lenha para mim!
   Foi a mesma coisa que nada. 
   Mané Bocó resolveu tentar pela última vez. Fez força, concentrou-se, apertou os olhos, respirou fundo, pensou, caprichou, lembrou e gritou:
   - Peixinho, peixão, vem aqui dar uma mão! - e pediu a lenha. 
   Inesperadamente, o machado ficou de pé sozinho e saiu voando. Em poucos minutos, apareceu um feixe de lenha na frente do rapaz. A lenha já vinha até amarrada!
   Mané Bocó gostou do serviço, colheu um punhado de flores para dar a mãe e montou no feixe de lenha.
 - Peixinho, peixão, vem aqui dar uma mão! Me leva voando de volta para casa!
   Na mesma hora, o monte de lenha levantou voo e saiu cortando o espaço. 


  Perto dali, vivia uma princesa que nunca ria. O rei, seu pai, andava preocupado com a tristeza da filha e até já tinha feito uma promessa. Quem conseguisse arrancar um sorriso da menina receberia a sua mão de casamento. 
   Naquela tarde, a princesa estava na janela do castelo, com cara amarrada de sempre. 
   Mané Bocó passou na frente da janela, montado no feixe de lenha  voador. Ficou admirado. Nunca tinha visto uma pessoa tão bonita na vida. 
   Ao dar com aquela figura voando no céu, sentada um monte de lenha segurando o buquê de flores, a moça arregalou os olhos e teve um ataque de riso. 
   Mas Mané não gostou nem um pouco. Achou que a princesa estivesse rindo da cara dele. Do meio da tristeza, nasceu uma ideia. 
    - Peixinho, peixão, vem aqui dar uma mão! - gritou ele, enfezado. - Quero que a moça bonita da janela do castelo tenha um filho meu!
   Pediu isso e desapareceu boiando no céu roxo do fim da tarde. 
   Passou um tempo e a princesa começou a ficar barriguda. Médicos e especialistas foram chamados para examinar o caso daquela barriga que crescia e crescia a cada vez mais. Ninguém entendia que tipo de doença era aquela. É que a doença não era doença. Nove meses depois, nasceu um lindo menino. A criança era, sem tirar nem pôr, a cara de Mané Bocó. 
   O rei não se conformava. Queria saber como aquilo tinha acontecido. A princesa não conseguia explicar nada, em coisa nenhuma.
   - Isso não pode ser! - Dizia o soberano.
   E cada mais furioso, decretou que queria porque queria saber quem era, afinal, o pai da criança. 
   Soldados e patrulhas saíram pelo reino procurando e perguntando. Cartazes colados nas ruas ofereciam uma recompensa para quem dissesse ou desse alguma pista sobre o pai do neto do rei. Nenhuma pessoa conseguiu informar nada sobre o assunto.
   Como Mané Bocó não sabia ler nem escrever, não viu o cartaz nenhum e continuou com sua vidinha de cortar lenha, pensar na vida e, de quando em quando, fazer alguma besteira. 
   Um dia, sem querer, viu um burrinho recém-nascido mamando numa burra e teve uma lembrança. Pensou que seu filho com a moça bonita da janela do castelo talvez já tivesse nascido. Ficou emocionado. Sentiu que precisava visitar a criança. 
   Colheu um punhado de flores do campo, encheu uma cesta com leite, mel e frutas coloridas e montou no seu burro de estimação. 
    - Peixinho, peixão, vem aqui dar uma mão! - gritou ele. E completou:
   - Me leva voando para a casa da moça bonita da janela do castelo!
   A princesa gostava da criança, mas não conseguia entender como aquilo tinha acontecido. 
   Naquele dia, estava na janela com a mesma cara amarrada de sempre. Ao ver Mané Bocó boiando no céu sentado no burro, carregado de flores e frutas, a moça arregalou os olhos e caiu na gargalhada. 
   Ao escutar a filha, o rei correu para ver o que estava acontecendo.
   Enquanto isso, o burro voador deu uma cambalhota no espaço, relinchou, deu coices no ar, planou, atravessou a janela e aterrissou dentro do quarto da princesa. 
   Amarrando o burro no pé da cama, Mané Bocó olhou para a princesa e declarou que era o pai da criança. 
   - Mas como? - gritou a moça, colocando as mãos no peito.
   O rei olhou o bebê e olhou Mané, A cara de um era o focinho do outro! Furioso, mandou chamar os guardas.
   - Prendam este homem?
   - Mas como? - perguntava a princesa, agarrando Mané Bocó pelo braço. 
   E Mané:
   - Como sim! Mas só quando estou com fome!
   E a princesa:
  - Você quer acabar com a minha felicidade?
   E Mané: 
   - Feliz cidade? Você acha?
   E o rei: 
   - Quero ele amarrado com corda!
   E Mané:
   - Claro que concorda! A criança é a minha cara!
   A princesa já foi ficando com vontade de rir. 
   Assim é difícil - disse ela.
   E Mané:
   - Edifício?
   E o rei:
   - Palhaço! 
   E Mané: 
   - Palácio? Prometo fazer um bem bonito para gente morar!
   E a princesa ameaçou um sorriso: 
   - Que trapalhão!
  - E Mané:
   - Trabalhão coisa nenhuma. Quer ver?  
   E gritou:
    - Pixotinho, pixotão, vem aqui dar uma mamão! Faz um palácio em cima daquele morro. 
   Não aconteceu nada, mas Mané já estava acostumado e tentou de novo: 
    - Peixinho, peixão, vem aqui dar uma mão! - E pediu o palácio.
   O espanto foi geral. No alto do morro, em frente ao castelo real, surgiu um lindo palácio prateado. 
   O queixo do rei só não caiu da cara porque estava preso pela barba. Perguntou ao moço que história era aquela de "peixinho, peixão".
   Mané Bocó contou o caso do peixe mágico que um dia tinha saltado fora da água.
   E o rei:
   - Então peça para ficar mais inteligente. 
   E o Mané:
    - Peixinho, peixão, vem aqui dar uma mão! Quero ficar entre a gente!
   E o rei:
   - Não é nada disso!
   E a princesa:
   - Peça para ficar mais esperto!
   E o Mané: 
    - Peixinho, peixão, vem aqui dar uma mão! Quero ficar mais perto!
   E pegou a mão da princesa. 
  A moça deu um sorriso bonito. Estava gostando cada vez mais do jeito do Mané Bocó.
  Feliz por ver a sua filha toda risonha, o rei, desistindo de tentar convencer o rapaz a fazer qualquer coisa, achou melhor preparar o casamento logo. 
   Antes de mais nada. Mané Bocó mandou o burro voador ir pegar sua mãe. Depois, casou-se com a princesa numa linda festa que durou três dias e três noites. Dizem que os dois foram muitos felizes.


E aí, gostou da história? Quando eu a li, senti como seu eu estivesse lá no quintal da casa de minha avó, sentada no chão!

Até a próxima!
Elaine Cunha

5 comentários:

  1. Olá Elaine,

    Já tinha vindo aqui te visitar antes, mas como o blog estava em "pane" não conseguir te seguir e nem te enviar uma mensagem, mas agora deu certo!!
    Acho lindo o trabalho que você realiza com as crianças, parabéns por tanto empenho e dedicação!

    Beijinhos e voltarei aqui SEMPRE!!

    ...Fica em paz!...

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  2. Oi Elaine,
    adorei a história. Não conhecia esse livro. Vou procurar para ler com as minhas filhas. Adoramos leituras e lemos todos os dias.

    Beijos
    Chris
    http://inventandocomamamae.blogspot.com

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  3. Ola, Minéia Pacheco
    Obrigada pela visita! O prazer da leitura é maravilhoso mesmo.
    Obrigada por seguir
    Beijos, Elaine

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  4. Oi, Chris!

    Certamente, a diversão será divertida!
    Tenho acompanhado seu blog e me divirto muito por lá também.

    Deixo o ISBN dele para ti. Sei que ajudará
    ISBN: 978-85-08-14344-3

    Beijos,
    Elaine

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  5. Elaine,
    para mim, que sou vovó, é prazeiroso visitar seu blog.
    Sou seguidora e gostaria muito que vc visitasse o meu. Minhas histórias são de vida, minhas ou ouvidas de amigas.
    o endereço é euprecisotecontar.blogspot.com
    Aguardo sua visita
    bj

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Abraços!
Elaine Cunha